Indicado a três Oscar, “O Escândalo” conta caso real de assédio na TV americana

Um ano antes de o caso Harvey Weinstein ganhar as manchetes do mundo, outro nome poderoso da mídia americana esteve no centro de dezenas de acusações de assédio sexual: Roger Ailes, então presidente e CEO do canal de notícias a cabo Fox News. Esta história menos conhecida pelo público brasileiro, mas não menos importante, é contada em O Escândalo, filme que estreia nesta quinta-feira (16) e concorre a três Oscar, incluindo melhor atriz para Charlize Theron e melhor atriz coadjuvante para Margot Robbie.

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Em uma carreira de cinco décadas, Ailes (que morreu em 2017, aos 77 anos) teve enorme impacto sobre a televisão e a política dos Estados Unidos. Tendo atuado como consultor dos presidentes republicanos Richard Nixon (1913-1944), Ronald Reagan (1911-2004) e George H.W. Bush (1924-2018), com a Fox News ele impulsionou não apenas a agenda da ala mais conservadora do partido como também a polarização do noticiário e da sociedade americana. É difícil não ver a eleição de Donald Trump (de quem Ailes foi conselheiro durante a campanha, após deixar a emissora) como produto de um cenário que o empresário ajudou a construir.

Em julho de 2016, a apresentadora Gretchen Carlson (interpretada no filme por Nicole Kidman) foi demitida da Fox News e processou Ailes (John Lithgow) por assédio sexual. Ele negou as acusações, mas uma investigação interna foi aberta e dezenas de outras mulheres fizeram denúncias similares, inclusive uma das principais estrelas do canal, Megyn Kelly (Charlize Theron, também produtora do longa). Nem Carlson nem Kelly tiveram qualquer envolvimento com a produção, mas a equipe de O Escândalo entrevistou várias ex-funcionárias da emissora. Os relatos reais levaram à criação da personagem ficcional Kayla Pospisil (Margot Robbie), uma “millennial evangélica” que idolatra a Fox News e quer subir de cargo dentro da emissora.

Tanto a história quanto as personalidades retratadas em O Escândalo são muito conhecidas nos Estados Unidos, dando ao filme liberdade para se mover muito rapidamente, sem longas apresentações de cada personagem. O estilo do diretor Jay Roach lembra o de Adam McKay, sobretudo no começo, quando contextualiza o tema do filme de forma ágil, pop e engraçadinha (e não por acaso, o roteirista de O Escândalo é Charles Randolph, que trabalhou com McKay em A Grande Aposta, de 2015). No entanto, muito do que se estabelece nas primeiras cenas – tom sarcástico, quebra da quarta parede – é abandonado ao longo do filme. A mudança é bem-vinda, mas também um dos aspectos que faz de O Escândalo uma produção um tanto inconstante, que tem uma boa história nas mãos mas não parece saber ao certo qual a melhor forma de contá-la.

Megyn Kelly na Fox News (esq) e interpretada por Charlize Theron em “O Escândalo”

Alguns momentos são fortes. O filme retrata muito bem, por exemplo, a tensão das funcionárias ao entrar no elevador que levava ao escritório de Ailes, e a humilhação de ouvi-lo pedir que dessem uma voltinha para que avaliasse seu potencial de aparecer na televisão (tal pedido, vale ressaltar, foi relatado por várias das vítimas de Ailes na vida real). Além disso, o filme consegue deixar claro que o assédio na Fox News não se resumia a ação de um único homem, mas, ao contrário, era (é?) parte da cultura, da política e do funcionamento da empresa. 

No entanto, outras cenas são prejudicadas por diálogos didáticos e pouco contundentes, e especialmente a personagem fictícia de Robbie por vezes funciona como uma conveniente ferramenta de comentário político. A atriz, porém, está bem no papel, assim como todo o elenco, com Kidman e Theron contando com a equipe de cabelo e maquiagem (Kazu Hiro, Anne Morgan e Vivian Baker, também indicados ao Oscar) para se parecem fisicamente com as personagens da vida real. A transformação de Theron é especialmente impressionante, e contou também com preparação vocal para chegar ao tom de voz de Megyn Kelly. De tão parecidas, é como se a própria Kelly estivesse na tela, o que é ao mesmo tempo fascinante e um pouco perturbador. 

O mais interessante em O Escândalo é o modo como centra a narrativa em mulheres diferentes das que costumam ser associadas a movimentos como o #MeToo. Kelly e Carlson são conservadoras, provavelmente votam em conservadores, não se consideram feministas e colaboraram para a ascensão de pessoas e ideais que representam ameaça concreta aos direitos das mulheres (para dizer o mínimo). Mas não há partido político ou posição ideológica que proteja a mulher do assédio, uma reflexão relevante considerando que Donald Trump e Jair Bolsonaro contaram com o expressivo voto do eleitorado feminino para se eleger.


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

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