Cotada para o Oscar, Glenn Close merece mais do que “A Esposa”

A Esposa é o título do filme que pode finalmente dar um Oscar à atriz Glenn Close, dona de uma carreira de mais de quatro décadas, muitos papéis marcantes e seis indicações à estatueta.

“A esposa”, assim entre aspas, também é como se convencionou chamar um dos personagens femininos mais recorrentes em Hollywood (atrás apenas, talvez, de “a mãe”). Artistas das mais talentosas e em diferentes pontos de suas carreiras já assumiram, por vontade ou falta de opção, o papel da mulher genérica, sem história própria ou real função narrativa, que existe meramente como escada dramática para o ator que interpreta o marido – ou, como a atriz Miranda Otto me disse em uma entrevista, “para deixar claro que o protagonista não é gay”.

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É um tipo de papel que se torna cada vez mais incômodo conforme se aprofundam os questionamentos sobre a representação feminina no cinema, mas que resiste não apenas nas telas quanto na vida real. E é no paralelo com inúmeras histórias de mulheres que viveram e vivem definidas meramente como esposas, deixando seu potencial de lado para dar vazão ao do marido, que o filme do diretor sueco Björn Runge busca sua força.

O longa é baseado no romance homônimo de Meg Wolitzer, adaptado para as telas por Jane Anderson. Close interpreta Joan Castleman, a esposa de um celebrado escritor, Joe Castleman (Jonathan Pryce), que se prepara para receber o Nobel de Literatura. No período imediatamente posterior à notícia e ao chegar a Estocolmo para a entrega do troféu, Joan assume caladamente o papel de coadjuvante e assistente do marido: entrega seus óculos, cuida de seus remédios, ajusta seu relógio, garante que ele esteja vestido, alimentado e pronto para seus compromissos. Enquanto Joe é celebrado, Joan é apresentada a uma funcionária do Nobel especializada em cuidar das esposas dos laureados, levando-as às compras ou ao salão de beleza para que os maridos possam se ocupar das questões masculinas – diga-se: o trabalho, a arte, a ciência, o pensamento, o sucesso.

Mas está claro que, a despeito das aparências, Joan não cabe no papel de esposa genérica. O momento-chave do filme ocorre logo em uma das primeiras cenas, quando marido e mulher ouvem a notícia do prêmio ao telefone e têm reações distintas. A de Joe é expansiva, a de Joan, mais enigmática, e a brilhante atuação de Close impressiona justamente por comunicar tanto com tão pouco: olhares, sorrisos, silêncios. Nota-se que a relação está por um fio, e durante a viagem a Estocolmo ela se vê cada vez mais incapaz de disfarçar a dor insuportável causada pelas escolhas do passado que colocaram as ambições do marido acima das suas.

A Esposa remete a outros filmes sobre momentos definitivos em longos relacionamentos, como Longe Dela (2006), de Sarah Polley, e 45 Anos (2015), de Andrew Haigh. No primeiro, a mulher é internada em uma clínica após ser diagnosticada com Alzheimer; no outro, uma carta inesperada abala a celebração de um aniversário de casamento. Tanto a doença quanto a correspondência são dispositivos dramáticos para desenterrar erros e mágoas do passado, questionar o quanto pessoas que vivem juntas de fato se conhecem, e refletir sobre o que o casal, mas principalmente a mulher, deve recordar e esquecer para que a relação possa seguir em frente.

A Esposa também busca fazer algumas destas proposições, mas sem o mesmo refinamento e com a tendência a explicar demais. Aos poucos, a intrigante sutileza do não dito dá lugar a discussões com todas as letras e a excessivos flashbacks sobre a relação do casal, vivido na juventude por Annie Starke (filha de Close na vida real) e Harry Lloyd, ambos (ele sobretudo) longe de ter o talento do elenco mais velho. A narrativa é forçada para frente aos solavancos conforme entram em cena os coadjuvantes clichês: o filho aspirante a escritor que venera e se sente menosprezado pelo pai, o biógrafo-urubu que paira em busca de revelações bombásticas e a fotógrafa jovem e sexy que imediatamente começa a flertar com um homem que poderia ser seu pai – uma personagem tão genérica, é bom lembrar, quanto qualquer “the wife” de Hollywood.

Se começa promissor, A Esposa torna-se convencional, quadrado, óbvio. A história se encaminha para o clímax provocando cada vez menos emoção genuína, e chega a uma resolução insatisfatória e sem nenhuma imagem contundente como, por exemplo, a de Charlotte Rampling ouvindo The Platters em 45 Anos, ou mesmo a da própria Glenn Close no palco do Globo de Ouro, quando falou sobre como também sua mãe priorizou o marido e chegou aos 80 anos sentindo não ter conquistado nada.

Levantar uma discussão importante não garante que um filme funcione como cinema, mas A Esposa parece se contentar totalmente com a própria premissa e com a excelente atuação de Close. A atriz faz o que pode para elevar o material, mas também provoca a melancólica sensação de que uma artista do porte dela merecia mais.

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Este filme passa no teste de Bechdel-Wallace. Clique para saber mais.“A Esposa”
[The Wife, Reino Unido/EUA/Suécia, 2017]
Direção: Björn Runge
Elenco: Glenn Close, Jonathan Pryce, Annie Starke.
Duração: 100 minutos


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

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