Boa parte do público descobrirá o trabalho da cineasta Alice Wu graças à chegada de Você Nem Imagina ao catálogo da Netflix. Esta atípica comédia romântica adolescente estreou no streaming em 1º de maio, 16 anos depois de Wu lançar seu primeiro e até então único longa-metragem, Livrando a Cara (2004).
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Formada em Ciência da Computação, Alice Wu largou um emprego na Microsoft para escrever e dirigir Livrando a Cara, a história do romance secreto entre a bailarina Vivian (Lynn Chen) e a cirurgiã Wil Pang (a ótima Michelle Krusiec que, aliás, interpreta a estrela Anna May Wong na série Hollywood). Confrontada pela namorada, Wil não sabe como dar a notícia para sua mãe, uma chinesa viúva conservadora. Na época, Livrando a Cara foi considerado ousado por colocar mulheres asiáticas e lésbicas como protagonistas e por ter sido feito por uma cineasta estreante, inspirada em suas próprias experiências.
O hiato na carreira de Wu se deveu a diferentes motivos (entre eles a decisão de cuidar da mãe durante uma doença), mas ela voltou a encontrar sua voz no cinema com Você Nem Imagina. Desta vez, a diretora, roteirista e produtora lésbica sino-americana de 50 anos escolheu o universo adolescente do high school, já excessivamente retratado em filmes, para questionar a ideia de amor romântico e falar sobre diversidade.
A protagonista Ellie Chu (Leah Lewis) é filha única de um imigrante chinês viúvo, que na China era engenheiro, mas nos Estados Unidos não consegue o mesmo tipo de trabalho. Eles moram em uma cidade pequena e, para ajudar nas contas da casa, Ellie vende redações que escreve para muitos dos colegas de classe. Um dia, Paul Munsky (Daniel Diemer), um atleta gentil, mas meio bobo, oferece pagar para que Ellie escreva em seu nome uma carta de amor para Aster Flores (Alexxis Lemire), uma garota “muito mais do que um rosto bonitinho” que é filha de latinos cristãos. As trocas de cartas passam para muitos envios de mensagens no celular entre as duas e, claro, Ellie se apaixona por Aster. O triângulo amoroso é formado.
Ao longo da narrativa, Alice Wu insere diversas citações de autores como Oscar Wilde (1854-1900) e Kazuo Ishiguro, além de referências de filmes cults de Wim Wenders e Howard Hawks (1896-1977) que falam sobre o amor. Aqui, as obras de arte são usadas como pano de fundo para mostrar que as vulnerabilidades de Ellie, Paul e Aster servem para eles se aproximarem e serem íntimos, cada um do seu jeito, com sua particularidade, tentando escapar da idealização do romance juvenil. Encontrar a alma gêmea, a pessoa que vai gostar das mesmas coisas que você, casar com o namorado da escola e ser “feliz para sempre” – trata-se de uma criação cultural que foi bem propagada pela cultura de massa da TV e do cinema.
Wu questiona a construção desse imaginário do amor romântico, mas poderia ter sido mais ousada na profundidade dos personagens e, principalmente, na abordagem da relação entre as duas garotas. Há uma cena bem bonita e sensual na qual Aster leva Ellie ao seu lugar favorito. Ela tira a blusa e entra na água, Ellie fica envergonhada, mas entra também. Elas conversam sobre assuntos delicados, mas ainda estão se escondendo, fechadas em seus próprios pensamentos. Talvez um pouco menos de tempo de tela para o Paul ajudaria a desenvolver mais a história delas.
De qualquer forma, talentos como Alice Wu são importantes para transformar uma indústria como a cinematográfica, que nos últimos cinco anos tem sido obrigada por vários movimentos a enxergar e reparar a falta de representatividade. Que Hollywood volte a investir em seu talento para que ela possa entregar mais obras como Livrando a Cara e Você Nem Imagina.
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“Você Nem Imagina”
[The Half of It, EUA, 2020]
Direção: Alice Wu
Elenco: Leah Lewis, Daniel Diemer, Alexxis Lemire
Duração: 104 minutos
Letícia Mendes é jornalista e mestranda em estudos sobre as mulheres.