#52FilmsByWomen de junho: Marcia Tambutti Allende, Taryn Brumfitt, Anita Leandro, Mary Mazzio

Esse quarto mês da campanha #52FilmsByWomen foi dedicado ao documentário, gênero que para mim está se tornando cada vez mais acessível (menos entediante, eu diria). Vi filmes feitos por uma chilena, uma australiana, uma brasileira e uma norte-americana. Não sei se é uma impressão apenas minha, a partir dos filmes que ando vendo, mas sinto que as mulheres documentaristas mexem com assuntos que as tocam muito mais intimamente do que os homens. Estes, por sua vez, costumam documentar temas gerais, que nem sempre têm relação com alguma urgência pessoal.

Segundo um levantamento da Ancine, dos 29 filmes dirigidos por mulheres em 2016 no Brasil, 14 foram documentários. Esse dado, querendo ou não, também mostra que as cineastas têm mais oportunidades em longas de menor orçamento. E, de fato, nenhum dos filmes vistos em junho é uma superprodução.

Por sinal, o primeiro título do mês, Allende, meu avô Allende (2015), é uma produção bem caseira de Marcia Tambutti Allende, biológa e neta do ex-presidente chileno Salvador Allende (1908-1973), que ela chamava de “Chicho”. Acho muito bonito quando um membro de uma família se empenha em unir todos os parentes em ocasiões especiais ou guardar fotos e vídeos que registrem a história. E esse me pareceu ser o papel da Marcia dentro da família Allende.

Ela é a única que faz perguntas “investigativas” para a avó Hortensia Bussi, que ainda estava viva na ocasião das filmagens (Hortensia “La Tencha” morreu em 2009). Perguntas sobre fidelidade e as amantes do avô, por exemplo. O passado é algo sobre o qual ninguém na família Allende deseja falar. Mesmo as conversas da diretora com sua própria mãe, Isabel, não fluem tão fácil assim. Além de Salvador Allende, outros três familiares de Marcia cometeram suicídio: sua tia-avó Laura, sua tia Beatriz, conhecida como “Tati”, e seu irmão Gonzalo Meza, que se matou em 2010. Não é um filme político, apesar de a política ter um grande papel em tudo o que se passa com os Allende.


embrace

No filme Embrace (2016), a diretora e ativista australiana Taryn Brumfitt também se coloca em frente às câmeras. Ex-fisiculturista, Taryn ficou bem famosa quando postou uma foto sua no estilo “antes e depois”, mas invertendo a ordem tradicional, que costuma mostrar o resultado de muita dieta e exercício. No caso dela, o “depois” mostrava como seu corpo estava após ter parido três filhos: com barriga e peitos flácidos. A foto viralizou e a australiana se tornou um exemplo para as mulheres que querem amar mais seu corpo exatamente como ele é – natural, sem cirurgias, obsessões por dietas etc.

No documentário, Taryn viaja pelo mundo para entrevistar mulheres com histórias de vida bem difíceis, que passaram por doenças e tragédias mesmo. Apesar de ter feito com que eu chorasse em algumas partes, o filme tem uma mensagem bem positiva. E acho muito fofo o fato de a Taryn ter feito o longa como uma espécie de carta para quando sua filha for mais velha. Ela é apenas uma criança hoje em dia, mas sabemos que em breve terá os mesmos dilemas. Afinal, qual mulher não passou ou passará por algum julgamento de seu corpo?

Abaixo, veja o TED da Taryn sobre esse assunto:


retratos de identificação

Agora entramos na leva de documentários que são muuuito baixo astral, mas têm de ser vistos, como o Retratos de Identificação (2014), da brasileira Anita Leandro. O filme aborda fatos ocorridos entre novembro de 1969 e junho de 1976 com os militantes políticos Antônio Roberto Espinosa, Maria Auxiliadora Lara Barcellos (Dora) e Chael Charles Schreier, da organização armada VAR-Palmares (Schreier, vale dizer, teve a primeira morte sob tortura a ser noticiada pela imprensa durante a ditadura militar do Brasil); além de Reinaldo Guarany, da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Num país onde não há memória coletiva compartilhada sobre a ditadura, é muito importante saber quem foi a Maria Auxiliadora Lara Barcellos, por exemplo. Desculpem-me os outros prisioneiros políticos, mas a Dora é a personagem central do filme. Mulher marcante mesmo: lutou contra a ditadura, se exilou no Chile, na Bélgica e na Alemanha, onde teve um surto e se suicidou muito nova, atirando-se nos trilhos do metrô (mais sobre ela aqui). Depois de ver o filme, pesquise mais sobre a história de seu país. Abaixo, veja uma entrevista da diretora para o canal Curta!:


main-1

Mary Mazzio é a diretora mais experiente entre as quatro escolhidas para este mês: I am Jane Doe (2017) é seu oitavo documentário. Em comum, seus filmes têm o foco em histórias de superação (Mazzio é advogada além de cineasta) e as narrações feita por atores hollywoodianos (no caso, Jessica Chastain).

Nesse documentário ela examina (e examina mesmo, com linha do tempo, gráficos e tudo mais) a batalha judicial de famílias cujas filhas menores de idade foram traficadas sexualmente dentro dos Estados Unidos. A batalha é para fechar o portal Backpage e outros sites responsáveis por publicarem anúncios de sexo com crianças e adolescente como se fossem prostitutas maiores de idade. É chocante, mas adultos compram sexo com crianças pela internet como se compra um livro na Amazon. E essas crianças são estupradas por diversos homens todos os dias.

A força das mães dessas meninas em estudar a lei e frequentar anos de tribunal para acabar com esses sites me deixou muito comovida (nisso, me lembrou um pouco o documentário Ilegal, sobre as mães que lutaram pela regulamentação da maconha medicinal no Brasil). A construção da narrativa também me fez lembrar a série The Keepers, da Netflix, que mostra como o abuso sexual muda completamente a trajetória de uma mulher. Como é dito diversas vezes em ambas as produções, as garotas que foram estupradas perderam totalmente o brilho nos olhos, as ambições profissionais, o prazer de um hobby. É preciso denunciar e relatar sempre, e o documentário é um formato que atende a essa necessidade.

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Mais #52FilmsByWomen:
+ Maio: 
Teresa Villaverde, Anocha Suwichakornpong, Moufida Tlatli, Mia Hansen-Løve e Joanna Coates
+ Abril:
 Ildiko Enyedu, Paz Fábrega, Paula Sacchetta e Khadija al-Salami
+ Março: Salomé Lamas, Maren Ade, Marília Rocha e Valérie Donzelli


* Letícia Mendes é jornalista e aceitou nosso convite para aderir à campanha #52FilmsByWomen. Ela vai assistir a um filme dirigido por mulher toda semana durante um ano e dividir a experiência com a gente. Os títulos são revelados sempre às segundas-feiras no FacebookTwitter e Instagram. Clique aqui para saber mais.

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