Veja o discurso de Agnès Varda ao receber Oscar honorário

Agnès Varda tornou-se a primeira diretora a receber um Oscar pelo conjunto da obra. A cineasta belga foi homenageada neste sábado (11) em uma cerimônia em Los Angeles que também celebrou o roteirista e diretor americano Charles Burnett, o ator canadense Donald Sutherland e o diretor de fotografia americano Owen Roizman.

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Nesta cerimônia, quatro artistas falaram sobre sua obra e sua importância para o cinema: a diretora Kimberly Peirce, de Meninos Não Choram (1999); a montadora Kate Amend, que integra o braço de documentário da Academia; a atriz Jessica Chastain; e a atriz e diretora Angelina Jolie, responsável por entregar a estatueta.

Abaixo, você pode assistir ao discurso de Varda na cerimônia e ler a versão traduzida para o português:

“Estou um pouco tímida e encantada por ouvir todas essas belas palavras sobre mim. Elas fazem com que eu me sinta bem, tenho de admitir. E as escuto no meio da ‘Oscarlândia’! Gostaria de agradecer às quatro mulheres brilhantes, lindas e inteligentes que falaram. E tenho uma perguntinha: não há nenhum homem neste lugar que me ame e queira falar?

Na França, quando queremos assistir à cerimônia do Oscar, temos de colocar o despertador para 4h. Queremos ver os vestidos, o salão cheio de gente animada, sem falar dos atores e artistas nervosos, porque é uma competição dura. O que está acontecendo hoje não tem nada a ver com isso: é outro tipo de coisa. Não há dinheiro em jogo, não é competição. Os “governadores” da Academia me deram este prêmio e eu o encarei como reconhecimento do conjunto da minha obra, dos mais de 60 anos [de carreira]. É algo que lança luz sobre mim e também sobre o cinema francês. Estou feliz que algumas das principais figuras da França tenham vindo comigo para aproveitar a noite, então gostaria de dar boas-vindas. Frédérique Bredin, presente do Centro Nacional do Cinema, que ajuda o cinema e jovens cineastas. Serge Toubiana, presidente da UniFrance, que apoia filmes, ajuda jovens diretores e manda o conhecimento sobre o cinema francês para o exterior. Temos aqui a delegação do Festival de Cannes e seu famoso [diretor] Thierry Frémaux.

Também estou cercada e protegida pela minha família. Meus lindos filhos Mathieu Demy, ator e diretor, e Rosalie Varda-Demy, que recentemente produziu, com paixão e energia, o filme “Visages, Villages”, que dirigi com o JR, que também está conosco. E as cerejas do bolo: dois dos meus netos estão aqui. Valentin Vignet, diretor de fotografia que estudou no American Film Institute, e meu pequeno Constantin Demy, que ainda está na escola aqui em Los Angeles. E como eu poderia esquecer de mencionar Jacques Demy, meu querido Jacques, que esteve aqui em 1965, indicado por “Os Guardas-Chuvas do Amor”?

Voltando ao assunto. Diria que recebi amor e reconhecimento porque tentei fazer com que o meu trabalho capturasse a essência do cinema buscando diferentes estruturas. Em “La Pointe Courte”, narração dupla. Em “Clèo das 5 às 7”, tempo real. Em “Os Renegados”, a busca por travellings contínuos e descontínuos. Em “Jane B. por Agnès V.”, cada retrato é um quebra-cabeça no no qual faltam peças. Também tentei contar histórias com atores e não atores e voltei à escola da modéstia que é o documentário, por exemplo com “Os Catadores e Eu”. Mas devo dizer que tive dificuldade para conseguir dinheiro. Meus filmes nunca fizeram dinheiro e eu não sou “bancável”. De qualquer forma, se não ganhei dinheiro, ganhei muitos prêmios, e também prêmios honorários como a Palma de Ouro em Cannes. Mais tarde, como fui ficando cada vez mais velha sem perder meu desejo e minha necessidade de trabalhar e criar, comecei a receber prêmios pelo conjunto da obra. Mas aqui, na meca do cinema, Hollywood, ganhei o melhor, o Oscar honorário. Obrigada.

Tenho que dizer mais uma coisa. Recentemente acordei no meio da noite pensando no meu discurso e fiquei nervosa. Comecei a mexer minhas pernas e meus braços na cama, a me mexer muito. Depois de um tempo, por alguma razão, comecei a esquecer do peso do meu corpo no colchão. Me senti como se estivesse dançando. Esta noite tenho quase a mesma sensação. É um grande evento, muito sério, foi organizado para celebrar os homenageados, temos uma salão cheio de talentos do cinema, tivemos duas estrelas, Angelina [Jolie] e Jessica [Chastain], como meus anjos da guarda feministas. Foi um grande evento, muito sério, cheio de significado e peso. Mas sinto que, entre o peso e a leveza, escolho a leveza.

Sinto que estou dançando a dança do cinema.”

Depois do discurso, Agnès Varda e Angelina Jolie dançaram juntas:

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