Tata Amaral celebra 30 anos de carreira com “Trago Comigo”

A cineasta Tata Amaral era criança quando o golpe de 1964 instaurou a ditadura no Brasil. No final dos anos 1970, participou dos movimentos estudantis a favor da democracia. Mas décadas depois, em meio à pesquisa para um filme, se surpreendeu ao perceber o quanto tinha a descobrir sobre o período militar.

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A importância de se recuperar essas histórias é o tema do novo filme da diretora, Trago Comigo, versão para o cinema da série homônima que foi ar pela TV Cultura em 2009.

O filme combina depoimentos reais de vítimas de tortura com a história ficcional de Telmo (Carlos Alberto Riccelli), diretor de teatro e ex-guerrilheiro que não consegue se lembrar de alguns detalhes de seus dias na luta armada. Telmo, então, encena uma peça a partir de suas próprias memórias e de improvisações dos atores, todos bem mais jovens e com uma ideia vaga sobre o que foi a ditadura.

Mais do que o embate geracional, Amaral quer abordar em Trago Comigo a dificuldade do Brasil em lidar com seu próprio passado, um tema que já estava no centro de Hoje (2013), seu longa anterior, também sobre uma ex-guerrilheira. “Busco, com minha cinematografia, trabalhar esta relação problemática com o passado”, explica Amaral, em entrevista por email ao Mulher no Cinema. “Há toda uma história recente que desconhecemos e que precisa ser contada. São episódios que atuam até hoje na nossa sociedade, na nossa cultura.”

Já em cartaz no Brasil, Trago Comigo também marca os 30 anos de carreira de Amaral. Mulher no Cinema conversou com ela sobre o novo filme, o momento político do lançamento e os planos para o futuro. Às mulheres que querem ser diretoras, ela manda um recado: “Façam filmes, façam filmes, façam filmes.”

Trago Comigo é o seu terceiro trabalho sobre a ditadura. É um período do qual você tem lembranças ou o interesse por ele veio mais tarde? De que forma?
Quando recebi o convite da TV Cultura para realizar Trago Comigo já estava pesquisando para o  Hoje. Fiquei bastante sensibilizada pelo fato de que eu mesma, que participei do movimento estudantil no final dos anos 1970 – período da chamada “abertura”, bem oposto aos anos terríveis que deixaram marcas no personagem do filme -, tinha um desconhecimento enorme do que havia conhecido. Percebi que há toda uma história recente que precisa ser contada. São episódios que atuam até hoje na nossa sociedade, na nossa cultura.

Cena do filme "Trago Comigo", de Tata Amaral
Cena do filme “Trago Comigo”, de Tata Amaral

Um dos temas do filme é a diferença geracional: em vários momentos Telmo tem de ensinar o básico sobre a ditadura aos atores. Sua vontade era falar com os jovens? Acha que eles estão excessivamente desconectados desse período histórico?
Minha vontade era expor esta lacuna onde as novas gerações, mesmo os mais velhos como eu, desconhecem.

Tanto Hoje como Trago Comigo sugerem já no título que o que aconteceu no passado molda o presente. Para você, a melhor forma de abordar a ditadura no cinema é focar menos no retrato de época, e mais no impacto que o período ainda exerce?
Busco, com minha cinematografia, trabalhar esta relação problemática com o passado. Todos os dispositivos dramáticos que mobilizam são para expressar esta relação.

Como você vê o momento do lançamento de Trago Comigo nos cinemas?
Muito oportuno, infelizmente. Em 2009, quando filmei, queria mostrar que as novas gerações desconheciam o passado. Agora, o filme mostra que o desconhecimento deste passado pode levar pessoas a dizer que não houve tortura ou até a pedir a volta da ditadura militar. Na Alemanha seria passível de prisão pedir a volta do nazismo que, como uma ditadura militar, é um regime totalitário.

Por que você decidiu combinar ficção e documentário, inserindo depoimentos reais?
No processo de pesquisa e [desenvolvimento] da história, percebi que gostaria de compartilhar com o público meu espanto em perceber que as histórias estão vivas na memória das pessoas que foram vítimas da violência de Estado. Queria que os espectadores percebessem que esta história não aconteceu num passado distante, na Idade Média, ou durante a Segunda Guerra Mundial.


“Em 2009, quando filmei, queria mostrar que as novas gerações desconheciam o passado. Agora, o filme mostra que o desconhecimento deste passado pode levar pessoas a dizer que não houve tortura ou pedir a volta da ditadura militar”


Por motivos legais, o filme não cita nomes de militares e termina defendendo a abertura dos arquivos da ditadura. Qual a importância de abrir os arquivos e identificar os torturadores?
Queria trazer para a dramaturgia o fato de que nós nunca identificamos e julgamos aqueles que praticaram crimes de lesa humanidade. A tortura é um crime de lesa humanidade. A importância de abrir os arquivos e identificar quem cometeu estes crimes é dizermos, como sociedade, que nós não aceitamos mais a tortura. Como nunca tratamos desta questão, a tortura continua sendo praticada impunemente até hoje.

Você está completando 30 anos de carreira. Como avalia sua trajetória, principalmente sendo mulher em uma indústria em que elas são minoria?
Estou muito feliz e nem penso em me aposentar, apesar dos 30 anos de carreira. Quando comecei e dizia que queria viver de cinema, parecia que eu era uma alienígena. Hoje, cinema é uma profissão.

Sua filha também é cineasta e vocês têm uma produtora juntas. Como é trabalhar com ela?
Muito legal. Caru é uma cineasta muito talentosa, tem brilho, opiniões e estilos próprios e muito marcantes. Ao mesmo tempo é muito concentrada e colaborativa. Foi minha parceira neste projeto, que durou anos, acreditou nele, mesmo nos momentos em que tudo nos levava a querer desistir de transformar Trago Comigo em filme.

Pensando nas próximas etapas da sua carreira, quais seus projetos e expectativas?
Iremos lançar uma série chamada Causando na Rua no Canal CinebrasilTV. Trata-se de ações criativas que acontecem na rua. Estou apaixonada por este projeto. Também vamos começar um processo de crowdfunding para materializar digitalmente Um Céu de Estrelas (1966), meu primeiro longa.

Que conselho você daria para mulheres que querem ser diretoras?
Façam filmes, façam filmes, façam filmes que tragam personagens, histórias e estruturas femininas ao primeiro plano.


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

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