Sophie Fillières faz duplo retrato feminino em “Quando Margot Encontra Margot”

A estreia da comédia Quando Margot Encontra Margot nesta quinta-feira (4) no Brasil tem significado especial para a diretora francesa Sophie Fillières. Foi no Rio de Janeiro, em um apartamento com vista para o Pão de Açúcar, que ela escreveu seu primeiro roteiro, aos 19 anos. “Na época, meus pais diziam: ‘Você acha que vai escrever para cinema? Você nunca escreveu nada antes!'”, relembrou a diretora, agora no sexto longa-metragem, em entrevista por telefone ao Mulher no Cinema.

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Vídeo: Veja o trailer da comédia Quando Margot Encontra Margot
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Sophie não morou no Brasil, mas visitou o país com frequência durante os cinco anos em que sua família morou no Rio de Janeiro enquanto ela estudava na França. Quando Margot Encontra Margot é o primeiro de seus filmes a estrear no circuito comercial brasileiro, e também abre o line up do projeto Caixa de Pandora, que levará filmes da distribuidora Pandora Filmes a 25 salas da rede Cinépolis.

A comédia é centrada em mulheres, algo frequente na obra de Sophie Fillières, que também é autora do roteiro. No filme, Margot (Agathe Bonitzer, filha da diretora), é uma jovem no início da vida adulta que, em uma festa, conhece outra Margot (Sandrine Kiberlain), cerca de 20 anos mais velha. Após estranhas coincidências, elas percebem que, na verdade, são a mesma pessoa em diferentes momentos da vida. “Queria falar, de forma literal, sobre encarar e aceitar a si mesma, sobre como é finalmente fazer as pazes consigo mesma”, contou a cineasta.

Na entrevista a seguir, a diretora fala sobre o filme, a escolha das atrizes e o trabalho com a filha, além de dividir lembranças do Brasil e do contato com Agnès Varda, ícone do cinema francês que morreu na semana passada.

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Como o projeto começou e por que quis contar esta história?
Tive a ideia de uma história sobre duas meninas que causariam certa confusão por terem o mesmo nome e a mesma idade. Depois pensei que seria ótimo se elas fossem a mesma pessoa. Dei este toque fantástico para falar sobre encontrar a si mesmo – em carne e osso, mas com 20 anos de diferença. Em meus filmes anteriores, fiz muitos retratos de mulheres, e queria explorar a ideia do retrato de forma mais profunda. Pensei que, com este filme, seria um retrato duplo. E também queria falar sobre como é finalmente fazer as pazes consigo mesma, ao invés de se torturar, ser neurótica, frágil. Queria falar, de forma literal, sobre encarar e aceitar a si mesma.

Por que optou por contar esta história fantástica de forma realista?
Pensei que seria o único jeito de as pessoas acreditarem. Não daria para começar de forma muito espetacular: teria de ser passo a passo, nos detalhes e gradualmente, para ir levando o espectador a acreditar no que está vendo. Me interessava contar essa história a partir do cotidiano para garantir que o espectador não criticasse a premissa – para garantir o poder da ficção e da fotografia. Não tinha a ambição de fazer um filme abertamente fantástico e sim um filme com um toque fantástico.

O elenco é parte importante de todos os filmes, mas no seu parece especialmente importante, já que as atrizes precisavam parecer ligadas de alguma forma. Como foi a escolha do elenco?
Escrevi o roteiro pensando nas duas, embora não soubesse se iam aceitar o convite. Sandrine é uma atriz muito famosa e popular na França. Ela atuou no meu curta de formatura da faculdade, há 25 anos, que foi a primeira vez dela em frente às câmeras e a minha primeira vez por trás das câmeras. Então foi engraçado reencontrá-la após 25 anos, quase a mesma diferença de idade entre as personagens do filme. Me ajudou muito pensar nela, na sua voz, no jeito que fala e em seu talento cômico. Sandrine é uma atriz muito precisa e que ama atuar. Ela gosta de atuar como se fosse uma brincadeira. Ela aproveita totalmente aquele momento, e eu queria isso no filme, que também tem um toque de brincadeira, de faz de conta. Já Agathe é uma jovem atriz que trabalha em muitos filmes “de arte”. Elas não se parecem, mas têm a mesma qualidade, que é a singularidade. São bonitas, mas não de um jeito clássico; são graciosas, mas meio desajeitadas. Achei que elas se combinariam bem no filme. E não tentei fazer com que se parecessem fisicamente.

Por quê?
Porque elas não se parecem: uma tem olhos azuis, a outra, castanhos….Quanto mais eu tentasse forçar essa semelhança, mais distante o espectador ficaria. Se eu mudasse a cor dos olhos de uma delas com lentes de contato, o público pensaria: mas e o cabelo? E o fato de não terem a mesma altura? Do jeito que ficou, você simplesmente tem de aceitar [que elas são a mesma pessoa]. Sandrine e Agathe são diferentes das outras atrizes do mesmo jeito. A diferença delas é a mesma, mesmo que não se pareçam. E Agathe é a minha filha.

Sim, minha próxima pergunta era: como é trabalhar com sua filha?
As pessoas perguntam muito isso, provavelmente porque parece estranho [que mãe e filha trabalhem juntas]. Mas na verdade não é mais difícil, é mais natural. É muito mais natural trabalhar com alguém que você criou. É muito mais natural pedir para ela fazer isso ou aquilo do que pedir a mesma coisa para alguém que mal conheço. Mas ela foi bastante rebelde nesta filmagem.

De que forma?
Ela discutiu muitas das direções que dei, enquanto Sandrine, que é uma atriz muito mais famosa, aceitou mais. Como sou a mãe de Agathe, ela dizia: “Não, não quero fazer isso, acho que tem de ser de outro jeito” [risos] Ela ousou se posicionar muito mais do que faria se eu não a conhecesse. E para mim foi importante dar este papel para ela. No filme, ela encontra a si mesma mais velha, o que foi uma forma de lhe dar um outro modelo feminino, diferente do de sua mãe. Acho que isso foi muito bom.

Qual o motivo de preferir escrever personagens femininas?
É o que sei mais, ou o que acho que sei mais. É o que sei e sinto dentro de mim. Isso não significa que não possa escrever um personagem masculino, e também não acho que ser mulher me dá um direito especial ou um sexto sentido para escrever sobre mulheres. Quando escrevo, não sinto que sou mulher, sinto que sou humana. E as pessoas sempre dizem: “Ah, essa mulher filma mulheres tão bem”. Ninguém nunca diz para um diretor homem: “Ah, você é um diretor homem e filma homens tão bem”. Acho que realmente é apenas uma questão de sensibilidade, que independe de ser homem ou mulher.

Esta é a primeira vez que um filme seu estreia nos cinemas brasileiros, não?
Acredito que sim.

Qual a sua expectativa em relação à plateia brasileira?
É emocionante, porque conheço o Brasil muito bem. Meus pais e meus irmãos moraram no Rio de Janeiro durante cinco anos. Eu tinha 18 anos, estava estudando e fiquei na França. Meu pai trabalhava na Air France e, como não pagávamos a passagem, eu ia visitá-los sempre, às vezes só para o fim de semana! Tenho muitas lembranças e falo um pouquinho de português. [O Brasil] é parte da minha juventude, então é especial estrear por aí, mais do que em qualquer outro país. E foi no Rio de Janeiro que escrevi meu primeiro roteiro, aos 19 anos. Participei de um concurso do Ministério da Cultura da França, que pedia roteiros de longa sobre jovens. Acabei ganhando, provavelmente porque eu era jovem e isso rendia boa publicidade. Tínhamos um apartamento muito bom de frente para o Pão de Açúcar e eu usava uma máquina de escrever. Meus pais diziam: “Você acha que vai escrever para cinema? Você nunca escreveu nada antes!” [risos] Então realmente significa algo para mim. E com o novo governo brasileiro…acho que é bom um filme de mulheres chegar aos cinemas.

Na semana passada morreu Agnès Varda. Ela era uma referência para você?
Sim. Ela fez duas obras-primas absolutas: Cléo das 5 às 7 (1962) e Os Renegados (1985), que estão entre os meus filmes favoritos. E todo mundo diz isso, mas é verdade: ela realmente foi a primeira mulher a emergir no contexto da nouvelle vague. Eu a conheci um pouco, porque há sete anos sou membro do Prêmio Jean Vigo, e ela era meio que a “avó” do prêmio. Então encontrei com ela algumas vezes.

Alguma lembrança especial?
Com certeza. Estudei no primeiro ano da Fémis [importante escola de cinema da França] e houve um evento para exibir 40 curtas feitos pelos alunos. Um desses curtas era meu – a primeira coisa que dirigi na vida. Várias personalidades foram a este evento, inclusive a Varda. O meu filme deve ter sido o vigésimo quinto a ser exibido, entre os 40. Um amigo meu estava sentado ao lado da Varda e disse que, após a exibição do meu curta, ela disse à pessoa que estava com ela: “Acho que podemos ir embora, porque já vimos o mais belo de todos.” E era o meu! Você não imagina o quanto fiquei orgulhosa. Digo isso não para me gabar, mas porque realmente foi muito importante para mim. E meu amigo me contou essa história muitos meses depois, quando por acaso falávamos sobre a Varda. E eu disse: “Você deveria ter me contado antes! Isto teria me encorajado!”

E você comentou sobre essa história com ela?
Sim, décadas depois, quando a conheci. Não sei se ela se lembrou [do curta], porque viu milhares de coisas depois daquilo [risos] Mas eu contei como era o filme e ela falou: “Sim, sim, me soa familiar”. Disse a ela que aquele momento me encorajou muito, me fez ter fé no que eu estava fazendo. Foi algo realmente muito importante para mim: que ela tenha entendido o que eu estava buscando.


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

Foto do topo: Duchilli

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