Mercedes Cooper fala sobre o Array e como é trabalhar com Ava DuVernay

Mercedes Cooper era estudante de economia quando, em 1999, deixou os Estados Unidos pela primeira vez e desembarcou no Brasil para um curso de três meses na Universidade de São Paulo. Não planejava trabalhar com cinema, mas muito do que sabia sobre o País vinha dos filmes que assistira em sala de aula: Xica da Silva (1976), Bye Bye, Brazil (1980), Quilombo (1984), O Que É Isso Companheiro (1997) e A Hora da Estrela (1985) – este dirigido por uma mulher, Suzana Amaral. No mês passado, quase 20 anos depois, Mercedes Cooper voltou à São Paulo em circunstâncias bem diferentes: foi uma das convidadas do Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual, organizado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), no qual falou sobre seu trabalho como diretora de marketing do Array, coletivo fundado pela cineasta Ava DuVernay em 2010.

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Se os filmes moldaram a ideia que Cooper tinha do Brasil, seu trabalho no Array também segue a filosofia de que aquilo que está na tela importa e tem impacto. O ativismo é um dos principais braços do coletivo, criado para divulgar e distribuir produções realizadas por pessoas negras, um recorte que depois foi ampliado para incluir outras minorias e cineastas mulheres. Em sete anos na empresa, Cooper atuou nas campanhas de lançamento de 17 longas, incluindo Middle of Nowhere (2012), que deu à DuVernay o prêmio de direção no Festival de Sundance, um importante marco tanto na trajetória do Array quanto na da cineasta.

Na entrevista a seguir, Mercedes Cooper fala sobre o trabalho no Array, conta como é colaborar com DuVernay e dá um conselho para as mulheres que buscam espaço para seus filmes em um circuito reduzido como é o caso do brasileiro: “Dê as mãos àquela outra cineasta que está ao seu lado e unam forças.”

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Nos sete anos que você trabalha no coletivo Array, distribuir filmes independentes realizados e estrelados por mulheres e minorias tornou-se uma tarefa um pouco mais fácil?
Hum…fácil…

Eu disse mais fácil, não fácil [risos]
[Risos] Tenho sentimentos mistos em relação a esta pergunta. Sinto que mais pessoas conhecem o trabalho que fazemos, então quando abordamos cineastas, principalmente os que vivem nos Estados Unidos, eles já ouviram falar de nós ou de Ava DuVernay. Como ela é um grande sucesso, ficou um pouco mais fácil de conseguir atenção para o que fazemos.

Mas no caso dos cinemas e das plataformas que exibem os filmes, há um interesse maior?
Sem dúvida. Muitas organizações estão cientes de que existimos. Está deixando de ser [um processo no qual] nós vamos atrás deles. Estamos recebendo mais solicitações, as organizações se aproximam para dizer que gostariam de trabalhar e se associar conosco de alguma forma. Então está ficando um pouco fácil. Não vou dizer fácil, mas mais fácil [risos].

Mercedes Cooper durante seminário em São Paulo / Foto: Ancine

O streaming tem sido um bom canal para distribuir filmes como os do Array?
Acreditamos que estas plataformas têm alcance maior. Ainda fazemos sessões comunitárias em várias cidades para todos os nossos filmes, viajamos com eles. Mas com a Netflix, todos nos Estados Unidos podem assistir. Se você está em uma pequena cidade à qual não conseguiremos chegar agora, você pode assistir na Netflix. Então cria-se uma plateia maior.

Existe alguma chance de a Netflix Brasil passar a ter mais filmes do Array?
Vamos checar com nossos contatos na Netflix e dizer que o Brasil quer os filmes da Array! Em alguns territórios isso tem a ver com os direitos que fomos capazes de adquirir. Às vezes há limitações, mas espero que possamos expandir. E que possamos ver mais conteúdo brasileiro na Netflix dos Estados Unidos também.


“Ava DuVernay trabalha mais duro do que qualquer pessoa que já conheci. Muitas horas, dias inteiros, fins de semana, feriados. É importante que as cineastas saibam que as coisas não simplesmente aconteceram: ela trabalhou. Ela reivindicou.”


Como é trabalhar com Ava DuVernay?
Ela é ótima. Quando comecei a trabalhar no Array, há sete anos, não era como hoje. Ela tinha acabado de lançar seu primeiro longa de ficção, estava editando o segundo sentada numa sala que para mim parecia um closet, estava tentando ser selecionada para o Festival de Sundance…Tem sido uma alegria ver a carreira dela se desenvolver da forma que tem se desenvolvido, e na mesma direção do Array. Posso te dizer que ela trabalha mais duro do que qualquer pessoa que já conheci. Ela trabalha duro. Muitas horas, dias inteiros, fins de semana, feriados. Acho importante que as cineastas saibam que as coisas não simplesmente aconteceram: ela trabalhou. Ela reivindicou. Ela é uma contadora de histórias muito importante, e não digo isso apenas porque sou funcionária. É um prazer trabalhar para ela.

Mercedes Cooper, Ava DuVernay e Tilane Jones, diretora executiva do Array, em imagem de 2016
Foto: Amanda Edwards/WireImage

Na sua palestra, você comentou que o Array foi criado porque Ava sentia que o público, assim como ela, estava “faminto” por filmes realizados e protagonizados pelos negros. Oito anos depois, a indústria ainda se surpreende a cada vez que um filme estrelado por negros é sucesso de bilheteria. O que podemos fazer para dizer à Hollywood que sim, queremos estes filmes?
Realmente vemos estes filmes fazerem sucesso e nós…bem, não eu e você, mas algumas pessoas ficam realmente chocadas. Nós sabemos que estes filmes vão ecoar nas pessoas, vão tocá-las, vão criar identificação, e os filmes que [fazem isso] são os mais bem-sucedidos. O público pode ajudar assistindo aos filmes. É claro que é ótimo twittar sobre o que viram, porque as redes sociais têm um peso enorme. Mas assistir ao filme é o mais importante. Então se está passando na sua cidade, compre um ingresso. Se não pode ir, dê para um amigo. Se está na Netflix, assista. Porque as pessoas realmente olham para estes números. Não posso dizer que os números não importam, porque importam. Provar que há audiência é o melhor jeito de mostrar impacto.


“O que a eleição de Donald Trump nos mostrou foi: não seja complacente. Não fique sentado pensando que os outros vão fazer o trabalho. Não fique sentado pensando que os outros vão votar para que ocorra a mudança que você quer ver.”


A eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos impactou a atuação do Array de alguma forma? Renovou o propósito da empresa, por exemplo?
Não a eleição em particular, pois já estávamos fazendo o trabalho, já estávamos comprometidas e já sabíamos que seguiríamos em frente. Mas o que esta eleição nos mostrou foi: não seja complacente. Não fique sentado pensando que os outros vão fazer o trabalho. Não fique sentado pensando que os outros vão votar para que ocorra a mudança que você quer ver. Se todos não colaborarmos, fizermos o trabalho, votarmos, comprarmos o ingresso para determinado filme…parecem mundos diferentes, mas tudo está relacionado. E se todos nós não trabalharmos…acontece. Esta história serve de alerta.

A distribuição é uma das etapas mais difíceis do fazer cinema no Brasil. Que conselho você daria às realizadoras brasileiras quer querem encontrar um público para o seu trabalho?
Meu conselho é: unam forças. Dê as mãos àquela outra cineasta que está ao seu lado e unam forças para criar, por exemplo, um noite de sessões de filmes dirigidos por mulheres. Não precisa ser apenas durante um festival anual. As mulheres podem encontrar espaços de arte, talvez encontrar um espaço que possa ceder uma noite na qual não está funcionando, ou uma manhã, ou uma matinê. Não pense que você precisa começar grande: pode começar pequeno e crescer ano após ano. Sempre repetimos o ditado: juntos somos fortes. Você pode ter um grande impacto quando se alia a outra pessoa.


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.

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