“Varda por Agnès” é autobiografia e filme-despedida de Agnès Varda

É inegável o legado deixado pela cineasta Agnès Varda (1928-2019), que morreu no último mês de março, aos 90 anos. Diretora pioneira, ela foi nome fundamental da nouvelle vague, influente tanto na ficção quanto no documentário, a única mulher a ganhar a Palma de Ouro honorária e a primeira diretora a ganhar o Oscar pelo conjunto da obra. Em mais de 60 anos de carreira, manteve-se como uma força criativa sem paralelos e dona de um olhar interessado e vital sobre as pessoas, os lugares, o cinema e as imagens.

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Depois de grandes filmes como La Pointe Courte (1955), Clèo das 5 às 7 (1962), Sem Teto Nem Lei (1985) e Os Catadores e Eu (2000), havia muito tempo que Varda não precisava fazer mais nada para assegurar um lugar de destaque na história do cinema. Mas no ano de sua morte, ela deixou um último belo filme: Varda por Agnès, misto de documentário autobiográfico com aula de cinema que já está em cartaz nas salas brasileiras.

As evidências sobre a influência de Varda começam nos créditos, que listam cinco diretoras como apoiadoras do filme: Ava DuVernay, Eva Longoria, Kat Chandler, Vic Mahoney e Nicole Kassel. Corta-se, então, para a imagem de um palco no qual Varda ministra uma espécie de masterclass. O público é majoritariamente jovem, possivelmente de estudantes e iniciantes no cinema, que buscam inspiração na trajetória da artista veterana.

Diferentes palcos vão conduzindo a narrativa do longa, que funciona como versão estendida de As Praias de Agnès, documentário lançado por Varda em 2008, às vésperas de completar 80 anos. Algumas passagens são idênticas ao filme anterior, enquanto outras saem para dar espaço aos registros das palestras. Da mesma forma, quem assistiu ao Ted Talks ministrado pela diretora em 2018 já terá ouvido algumas das histórias que ela conta.

Isso não signfica que Varda por Agnès não reserve novidades. Um dos principais destaques é o encontro da diretora com a atriz Sandrine Bonnaire, a memorável protagonista de Sem Teto Nem Lei (1985), no qual relembram detalhes sobre as filmagens e conversas sobre a personagem. Há, também, espaço maior para o trabalho de Varda como artista visual e uma conversa mais elaborada sobre o que ela chamava de “cine-escrita”: a ideia de que os elementos cinematográficos – composições, pontos de vista, movimentos, ritmos, edição – são escolhidos da mesma forma que um escritor escolhe suas palavras.

Varda por Agnès tem a mesma qualidade do filme anterior da diretora, o celebrado Visages, Villages (2017): oferecer ao espectador a oportunidade de passar quase duas horas na companhia da diretora. Ambos os documentários mostram reflexões explícitas da cineasta sobre questões que já estão presentes em toda a sua obra: a vontade de filmar o que está próximo, a investigação sobre o envelhecimento e a passagem do tempo, a paixão pela criação artística e o ato de compartilhar imagens, o olhar interessado pelas pessoas comuns e os ouvidos atentos às suas histórias, além da notável capacidade de enxergar arte e beleza em praticamente todas as coisas – um caminhão na estrada, um catador de lixo, uma batata descartada por fugir ao padrão do supermercado. Para Varda, segundo ela mesma definiu, “nada é banal se olhado com empatia.”

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“Varda por Agnès”
[Varda par Agnès, França, 2018]
Direção: Agnès Varda
Duração: 115 minutos


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

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