“Oito Mulheres e um Segredo” troca ladrões por ladras, mas repete fórmula da franquia

A atriz Rachel Weisz surpreendeu ao dizer, há alguns meses, que não endossa o forte coro por uma mulher no papel de James Bond. “Por que não criar nossa própria história ao invés de ser comparada a todos os homens que vieram antes?”, questionou, em entrevista ao Telegraph. “As mulheres são fascinantes e deveriam ganhar suas próprias histórias.”

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A princípio, discordei da atriz: ter uma mulher em um papel icônico como o de James Bond seria impactante e possivelmente transformador. Mas as palavras dela me voltaram à cabeça enquanto assistia a Oito Mulheres e um Segredo, versão feminina de Onze Homens e um Segredo, o heist movie dos anos 1960 que fez enorme sucesso em 2001 nas mãos do diretor Steven Soderbergh, rendendo mais dois longas em 2004 e 2007.

Soderbergh é um dos produtores da nova versão, que tem direção de Gary Ross (de Seabiscuit e Jogos Vorazes) e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (7). No lugar de Danny Ocean, o personagem interpretado por George Clooney (e por Frank Sinatra no original, mas o diálogo é com o filme de 2001), entra Debbie Ocean, vivida por Sandra Bullock. O sobrenome igual não é coincidência: Debbie é irmã de Danny, agora aparentemente morto (mas em se tratando de franquias milionárias, só convém acreditar depois de um corpo aparecer – e olhe lá).

Que dois irmãos tenham a mesmíssima paixão por golpes do mesmíssimo estilo pode parecer um pouco forçado, mas dar um desconto é pré-requisito do gênero, então sigamos em frente. Debbie acaba de deixar a prisão após cumprir pena de cinco anos, durante os quais planejou cada detalhe de seu próximo “trabalho”: roubar um famoso e caríssimo colar de diamantes a ser usado pela badalada atriz Daphne Kluger (Anne Hathaway) no baile do Metropolitan, evento mais concorrido do ano. A missão ousada requer uma equipe de comparsas competentes: além de Lou (Cate Blanchett), parceira de longa data, Debbie conta com a estilista Rose Weil (Helena Bonham-Carter), a hacker Nine Ball (Rihanna), a batedora de carteiras Constance (Awkwafina), a especialista em joias Amita (Mindy Kaling) e a ex-criminosa Tammy (Sarah Paulson), capaz de encontrar todo tipo de gadget necessário à operação.

O elenco estrelado é de dar inveja em Clooney, Brad Pitt e companhia, e o diretor Gary Ross sabe disso, pois aposta pesado no talento e no carisma das atrizes. Aposta, também, no charme característico dos filmes de golpe, nos quais o crime não apenas compensa como também é sexy, excitante e divertido. E de fato é divertido passar 110 minutos assistindo algumas das maiores estrelas do cinema planejarem um roubo insólito conforme andam pelas ruas de Nova York em looks estilosos (só pelo guarda-roupa de Blanchett, a figurinista Sarah Edwards já estaria de parabéns). Oito Mulheres e um Segredo oferece o mesmo tipo de entretenimento inofensivo da versão masculina, porém nas mãos de um diretor menos interessante, para quem trocar personagens masculinos por femininos parece bastar como atrativo ou inovação.

Escrito por Ross e Olivia Milch, o roteiro de Oito Mulheres segue a fórmula do de Onze Homens desde a primeira cena, quando Debbie/Danny promete deixar o crime se conseguir liberdade condicional. Ela sai da prisão em vestido de festa; ele, de smoking. Ela encontra Blanchett; ele, Pitt. Cada golpista se apresenta, a preparação é feita, um ou outro problema aparece, uma ou outra reviravolta movimenta as coisas, e no final tiram-se as dúvidas sobre o que obviamente não faz o menor sentido. Uma subtrama sobre um ex-namorado de Debbie provoca uma breve discussão sobre o perigo de misturar amor e trabalho também presente nas versões masculinas, e a própria dupla principal reproduz a anterior – Bullock é cool, Blanchett é descolada -, o que talvez contribua para que as protagonistas sejam bem menos interessantes do que personagens secundárias como as de Rihanna e Awkwafina.

Outro destaque é Anne Hathaway, que no papel da diva hollywoodiana tem boas chances de fazer um comentário sobre os bastidores da indústria cinematográfica. Jogar com o fascínio provocado pelo baile do Met foi uma boa sacada, embora nenhuma das várias cameos de celebridades – Anna Wintour, Katie Holmes, Serena Williams, Heidi Klum, uma Kardashian e duas Jenners – seja especialmente inspirada, o que parece uma oportunidade perdida em uma franquia que sempre se mostrou disposta a tirar sarro de si mesma (Julia Roberts interpretando Julia Roberts?).

Em geral, a sensação é a de que todas as envolvidas mereciam mais. É claro que a repetição de fórmulas não é novidade no mercado americano, que reproduz todo e qualquer filme de sucesso à exaustão (a própria trilogia de Soderbergh, diga-se de passagem, podia ter ficado no primeiro longa). E é verdade que, diante do estado da representação feminina em Hollywood, um filme divertido com oito mulheres no comando de suas próprias vidas já parece muita coisa.

Mas, pensando um pouco na linha de Rachel Weisz, eis algumas possíveis reflexões: por que não fazer mais? Por que não ir além da “versão feminina”? Por que não abraçar a oportunidade de se criar algo único, ainda que com base na franquia? E no caso específico de Oito Mulheres e um Segredo: e se o diretor fosse uma diretora?

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Este filme passa no teste de Bechdel-Wallace. Clique para saber mais.“Oito Mulheres e um Segredo”
[Ocean’s 8, EUA, 2018]
Direção: Gary Ross
Elenco: Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway.
Duração: 110 minutos


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.

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