“Poderia Me Perdoar?” reforça versatilidade de Melissa McCarthy

Melissa McCarthy conseguiu um feito improvável que muita gente esquece: tornou-se uma das mais rentáveis estrelas de Hollywood sendo uma mulher de mais de 40 anos (hoje, 48) e desafiando o limitado padrão de beleza do cinema comercial americano. Em apenas quatro anos, passou da coadjuvante que rouba a cena em Missão Madrinha de Casamento (2011) para a terceira atriz mais bem paga do mundo, e ocupou a nona posição na lista mais recente, publicada pela Forbes em 2018.

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A trajetória é inegavelmente bem-sucedida, mas a crítica recebeu mal vários dos hits de McCarthy. Depois de começar a carreira no stand-up e ter integrado o famoso grupo The Groundlings, também no cinema ela se dedicou principalmente a comédias. Muitas vezes elas ficaram aquém de seu talento, sobretudo as colaborações com o marido, Ben Falcone, caso de Tammy (2014) e Alma da Festa (2018).

Sendo assim, é compreensível que se comemore o fato de ela protagonizar um filme tão bom quanto Poderia Me Perdoar?, que estreia nesta quinta-feira (14) embalado por três indicações ao Oscar, incluindo melhor atriz. No entanto, que McCarthy esteja excelente em um papel de maior carga dramática não deveria surpreender: da Sookie de Gilmore Girls à Maggie de Um Santo Vizinho (2014), e mesmo em suas melhores comédias (em geral as de Paul Feig), muitas vezes a atriz demonstrou a versatilidade que o novo filme volta a confirmar.

É claro que um bom material faz toda a diferença, e McCarthy aproveita cada linha do ótimo roteiro de Nicole Holofcener e Jeff Whitty, por sua vez baseado nas memórias de uma fascinante personagem, a escritora Lee Israel (1929-2014). O filme começa em 1991, quando a autora é, em suas próprias palavras, “uma mulher de 51 anos que gosta mais de gatos do que de pessoas”. Algum tempo antes, ela era uma respeitada biógrafa que figurava na lista dos mais vendidos, mas agora não consegue um adiantamento para a próxima obra e deve o aluguel do apartamento no qual vive sozinha em Nova York. Lee escreve bem e acha que isso deveria ser o suficiente: falta-lhe paciência e disposição para o networking, as relações públicas e todas as regras do jogo que devem ser seguidas para uma carreira literária de sucesso.

A diretora Marielle Heller e a atriz Melissa McCarthy no set de “Poderia Me Perdoar?”

Fazendo pesquisa para um livro, ela rouba uma carta escrita pela atriz Fanny Brice (1891-1951) e decide vendê-la. Ao descobrir que o pagamento por esse tipo de documento varia de acordo com a qualidade do conteúdo, Lee dá início a um novo empreendimento: falsificar cartas de artistas como Noël Coward (1899-1973), Dorothy Parker (1893-1967) e Katharine Hepburn (1907-2003) e vendê-las a colecionadores. Mais do que solucionar seu problema financeiro, ela se anima com o trabalho por trás da fraude: afinal, apoia-se no estilo e trajetória de cada celebridade, mas também em seu próprio talento como escritora para criar documentos espirituosos. “Sou uma Dorothy Parker melhor do que a Dorothy Parker”, define.

Este momento de reviravolta também inclui o começo de uma amizade com Jack Hock (Richard E. Grant, engraçadíssimo), que tem em comum com ela o gosto pela bebida e o desgosto pelas regras, além de certa experiência com crimes e contravenções. Ambos são gays e, embora vivam romances ou possibilidades de romance, são sobretudo pessoas solitárias. Ele é charmoso e divertido; ela, fechada e mal-humorada, e deste encontro nasce uma relação sincera e comovente, potencializada pela química entre os atores.

Se Poderia Me Perdoar? funciona tão bem é porque todos os principais envolvidos – elenco, roteiristas, diretora – encaram os personagens da história sem excesso de julgamento ou de reverência, erros igualmente incômodos em se tratando de cinebiografias. O filme não tenta justificar os erros da protagonista nem busca forçar uma simpatia e carisma que ela não tinha, mas o próprio título indica a disposição de olhar para ela com generosidade. Entende-se que Lee Israel tinha personalidade difícil, alienava os outros e cometeu um crime. Mas o que mais ela era e o que mais ela fez?

Este olhar atento para a complexidade das pessoas é comum na obra de Nicole Holofcener, que além de roteirista também é diretora de cinco longas – o mais recente, Gente de Bem (2018), está no catálogo da Netflix e também tem um protagonista (desta vez homem) nada simpático. Originalmente escalada para a direção de Poderia Me Perdoar?, ela deixou o projeto alegando diferenças criativas (assim como a atriz Juliane Moore), mas aprovou a escolha de Marielle Heller para ser substituí-la.

Heller já mostrara em O Diário de uma Adolescente (2015) a capacidade de contar boas histórias de mulheres em situações controversas. Aqui, opta por um tom melancólico tanto no modo como filma Nova York como nas escolhas de ambientes e trilha sonora, reforçando a solidão dos protagonistas sem que o filme jamais pese muito para nenhum lado – nem o drama, nem a comédia. Com três novos projetos pela frente, incluindo uma aguardada biografia de Fred Rogers (1928-2003) estrelada por Tom Hanks, Heller é uma das diretoras que merecia ter tido mais destaque nesta temporada de premiações.

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Este filme passa no teste de Bechdel-Wallace“Poderia Me Perdoar?”
[Can You Ever Forgive Me?, EUA, 2018]
Direção: Marielle Heller
Elenco: Melissa McCarthy, Richard E. Grant, Dolly Wells.


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

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