“A Número Um” aborda mulheres no mundo corporativo

Em 2000, Instituto de Beleza Vênus fez de Tonie Marshall a primeira e ainda única mulher a ganhar o troféu de direção no prêmio César, conhecido como o Oscar da França. Dezoito anos depois, a vitória ecoa em seu mais recente filme, A Número Um, que acompanha os esforços da protagonista para chegar a um lugar ao qual nenhuma outra mulher chegou.

Em cartaz no Brasil, A Número Um foca no mundo corporativo ao contar a história de Emmanuelle Blachey, executiva de alto escalão de uma empresa de energia renovável. Quase sempre rodeada por homens, ela aprendeu a praticar o que chama de “camuflagem”: ao encontrar importantes investidores chineses, por exemplo, ela fala mandarim fluente, come, bebe, fuma e canta como eles, claramente incomodando colegas menos talentosos ou esforçados.

Tamanha popularidade, aliada à bem-sucedida carreira, chama a atenção de um influente grupo lobista feminista, liderado por Adrienne Postel-Devaux (Francine Bergé). A organização procura Blachey com uma proposta ambiciosa: ajudá-la a eleger-se presidente da companhia francesa responsável pela distribuição de água – o que, na prática, representaria a primeira vez em que uma mulher assumiria o comando de uma das 40 principais empresas do país (as chamadas CAC40).

Quando a empresária aceita a proposta, o filme se transforma em uma espécie de House of Cards do mundo corporativo. Os adversários de Blachey – liderados pelo corrupto Jean Beaumel (Richard Berry) – estão dispostos a atrapalhar todos os aspectos de sua vida profissional e familiar, e logo fica claro que a disputa pela liderança vai muito além da competência, envolvendo ameaças, dossiês comprometedores e tráfico de influência.

A diretora Tonie Marshall e a atriz Emmanuele Devos no set de “A Número Um”

Escrito em parceria com Marion Doussout e Raphaëlle Bacqué, o roteiro de Marshall aproveita a jornada de Blachey para provocar reflexões bastante atuais sobre o custo de ser “a número um” e sobre a própria ambição feminina, um tema muito bem abordado recentemente pelo americano Mercado de Capitais (2016), de Meera Menon. Em determinada cena, o pai de Blachey diz que a filha busca a posição porque “só quer comandar”. Ela devolve com uma pergunta: “Isso seria tão grave?”

Se A Número Um não parece tão bem acabado quanto Mercado de Capitais é por causa do excesso de tramas paralelas e personagens secundários. Blachey tem de lidar, ao mesmo tempo, com o pai, com Beaumel e seus aliados, com as parceiras do grupo feminista, com chefes e subordinados do emprego atual, com os investidores chineses, com o marido e os filhos e até com a mãe que morreu quando ela era criança.

Segurando tantas pontas está a ótima atriz Emmanuelle Devos, de Sobre Meus Lábios (2001) Reis e Rainha (2004). De forma sutil, mas marcante, ela mostra a transformação da personagem e como a camuflagem tão necessária no início do filme vai dando lugar a impacientes reviradas de olhos a cada novo estereótipo machista que cruza seu caminho.

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Este filme passa no teste de Bechdel-Wallace. Clique para saber mais.“A Número Um”
[Numéro Une, França, 2017]
Direção: Tonie Marshall
Elenco: Emmanuelle Devos, Francine Bergé, Richard Berry.
Duração: 110 minutos


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.

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