Jessica Chastain constrói império do pôquer em “A Grande Jogada”

O roteirista Aaron Sorkin foi frequentemente criticado pelo modo como representou as mulheres, particularmente na série The Newsroom (no ar entre 2012 e 2014), mas também em filmes como A Rede Social (2010). Homens são os protagonistas da obra de Sorkin seja quando o assunto é política, jornalismo, entretenimento, esporte ou tecnologia, e não deixa de surpreender que seu primeiro longa-metragem como diretor, A Grande Jogada, conte a história de uma mulher.

Em cartaz no Brasil, A Grande Jogada foi inspirado no livro de memórias de Molly Bloom, jovem americana apelidada pelos tabloides de “princesa do pôquer”. Criada em uma família na qual a excelência acadêmica e esportiva era fundamental, Bloom deixou uma promissora carreira no esqui para se tornar advogada. No intervalo entre uma coisa e outra, mudou-se do Colorado para a Califórnia e começou a trabalhar como assistente em concorridos jogos de pôquer frequentados por celebridades como Tobey Maguire, Ben Affleck e Leonardo DiCaprio. Logo passou a organizar seus próprios torneios, primeiro em Los Angeles e depois em Nova York, construindo um império milionário que começaria a ruir em 2010.

Ao levar o livro de Bloom para as telas, Sorkin manteve sua característica mais marcante: muitos e rápidos diálogos. A acelerada narração da protagonista, Jessica Chastain, começa na primeira cena de A Grande Jogada e se mantém durante quase todo o filme, dando também o ritmo da edição. Fãs de A Rede Social e Steve Jobs (2015) se sentirão em casa, mas quem não é adepto do estilo de Sorkin provavelmente vai se cansar das conversas frenéticas que cobrem não apenas fatos da vida de Bloom e detalhes sobre a investigação da qual é alvo, mas também regras do pôquer, opiniões sobre livros e até curiosidades científicas que você jamais pensou em pesquisar.

Sempre competente e muito envolvida no debate sobre representação feminina no cinema, Chastain disse ao site Vulture que A Grande Jogada conta “a história de uma mulher que usou seu intelecto e sua natureza competitiva para se tornar poderosa em um indústria tradicionalmente dominada por homens.” Mas a Molly Bloom de Sorkin é definida sobretudo por um excesso de redenção, talvez motivado pela ainda recorrente necessidade hollywoodiana de criar personagens femininas simpáticas aos olhos do público. Há, por exemplo, uma repetida louvação do fato de Bloom não ter contado segredos de seus clientes ou revelado nomes além dos que já haviam sido citados por outros envolvidos, mesmo diante da possibilidade de ser presa e de nunca conseguir se recuperar financeiramente. A decisão é sem dúvida digna de nota, mas tanta valorização da integridade da personagem – que chega a ser chamada de “exemplo” – tira parte de sua força.

Da mesma forma, parece excessiva a cena em que Idris Elba, intérprete do advogado (fictício) de Bloom, faz um longo, longuíssimo monólogo no qual elenca as inúmeras qualidades da cliente e explica detalhadamente o quão injusto é colocá-la em pé de igualdade com criminosos de verdade.

Já Kevin Costner aparece no que seria a cena mais constrangedoramente hollywoodiana da temporada, não fosse a inacreditável sequência de Winston Churchill no metrô em O Destino de Uma Nação. No papel do pai exigente (ou seja, o culpado de tudo), Costner determina que a filha faça “três anos de terapia em três minutos” – o que significa dizer que ele vai explicar a trajetória e as motivações de Molly Bloom em discurso bem mastigado, para que tanto ela quanto o espectador saibam exatamente o que devem pensar. Como em outros momentos do filme, melhor seria ter ficado em silêncio.

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Este filme passa no teste de Bechdel-Wallace. Clique para saber mais.“A Grande Jogada”
[Molly’s Game, EUA, 2017]
Direção: Aaron Sorkin
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Kevin Costner, Michael Sera.
Duração: 140 minutos


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.

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