“Vingança” quer dar visão feminina a gênero feito de clichês e sangue

Em cartaz no Brasil, o longa francês Vingança fez sua estreia no Festival de Toronto três semanas antes de virem à tona as primeiras denúncias de assédio e estupro contra o produtor americano Harvey Weinstein. Quando chegou ao circuito comercial, meses depois, já era considerado por muitos um filme para os tempos de #MeToo: a história de uma mulher que, após ser abusada sexualmente, sai à caça de seus agressores.

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O plot obviamente não traz nada de novo, mas chamou a atenção o fato de uma mulher, a francesa Coralie Fargeat, ser a responsável pela direção e pelo roteiro do filme. Estreante em longas-metragens, a cineasta tinha uma proposta clara: reproduzir os principais estereótipos do gênero para tentar subvertê-los.

Assim, em sua primeira aparição, a protagonista Jen (Matilda Luz) é a personificação da Lolita: uma jovem loira e linda, que usa minissaia e chupa pirulito ao descer de um avião particular que acaba de pousar no deserto. Ao seu lado está Richard (Kevin Janssens), um típico playboy que é dono da isolada casa onde os dois planejam passar dias de paixão. A revelação de que ele é casado surpreende menos do que a chegada antecipada de seus sócios Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guillaume Bouchede), com quem Richard participaria de uma tradicional caçada após a partida da amante.

Os planos se alteram drasticamente quando Stan estupra Jen, contando com a cumplicidade de Dimitri, que tem a chance de ajudá-la, mas não o faz. Ao saber do ocorrido, Richard tenta sem sucesso comprar o silêncio da garota, e eis que começa a caçada de verdade – durante a qual Jen se mostrará uma adversária muito mais forte do que os três esperavam.

Matilda Luz em cena de “Vingança”

A apreciação de Vingança tende a depender do grau de apreciação do espectador por filmes do gênero e pelo cinema de diretores como Quentin Tarantino. Quem for adepto deve encontrar bom divertimento nos muitos litros de sangue derramados, nos momentos de humor negro e no visual altamente estilizado que Fargeat criou em parceria com o diretor de fotografia Robrecht Heyvaert. Já os não tão fãs provavelmente se cansarão das repetidas perseguições e dos exageros estéticos – closes de uma formiga caminhando por uma maçã mordida, visões de uma iguana imaginária etc.

Da mesma forma, provavelmente não haverá consenso sobre se a diretora alcançou o objetivo de reverter o male gaze dos filmes que usam o estupro como motor da vingança e da transformação da mulher. Alguns verão força na sátira e em cenas como a que mostra Richard, e não Jen, combatendo completamente nu. Mas a passagem de Lolita para Lara Croft não significa, necessariamente, que se trata de uma personagem bem desenvolvida: Jen tem poucas falas e praticamente nenhuma história própria, além de usar, mesmo no segundo ato, uma variação do look sexy da primeira cena. De certa forma, vai de um estereótipo para o outro, o que parece muito pouco para os tempos de #MeToo.

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“Vingança”
[Revenge, França, 2017]
Direção: Coralie Fargeat
Elenco: Matilda Lutz, Kevin Janssens, Vincent Colombe.
Duração: 108 minutos


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.

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