“Ama-San” cria atmosfera lírica para mostrar vida de pescadoras japonesas

Ama-San, novo filme da diretora Cláudia Varejão (No Escuro do Cinema Descalço os Sapatos), chega aos cinemas de São Paulo e Rio de Janeiro nesta quinta-feira (10), depois de ter sido premiado em festivais como o DocLisboa de 2016. Varejão nasceu no Porto, cidade portuguesa de 214 mil habitantes, mas encontrou o incrível tema de seu segundo longa-metragem numa vila de pescadores no Japão chamada Wagu, localizada na Península de Ise-Shima e que tem 50 mil moradores.

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Neste lugar pacato vivem as Ama-San (“mulheres do mar”), que mantêm ainda viva a tradição milenar da pesca em apneia. Elas mergulham grandes profundidades sem auxílio de oxigênio, apenas com o ar que trazem nos pulmões, e com poucos instrumentos de caça. Ficam lá no fundo do Oceano Pacífico sem respirar por vários minutos até recolherem os abalones, espécie de ostra que produz pérolas usadas na culinária japonesa.

A diretora foge ao formato documental tradicional para nos apresentar a esta profissão que já foi considerada bem valiosa para as mulheres no Japão, apesar de arriscada. Em Ama-San, personagens não olham ou falam para a câmera, nem são feitas perguntas ou intervenções. As conversas entre personagens-diretora-telespectadores são feitas exclusivamente pela imagem, através da escolha de ângulos, de luzes e de cores.

Varejão opta por criar uma atmosfera lírica da rotina de três amas específicas: Mayumi Mitsuhashi, líder da associação local das amas, Masumi Shibahara, uma aprendiz, e Matsumi Koiso, uma ama prestes a se aposentar.

O ritmo delas, assim como do lugar em que moram e trabalham, é especial e isso também faz crescer o interesse pela narrativa. O tempo que elas passam com a família, filhos e netos, as refeições que fazem, os hobbies, o karaokê num “bar duvidoso”, como uma delas diz, reclamações de dores de ouvido, tudo isso é parte da história. Nos familiarizamos com elas até sermos levados ao mar, o local de trabalho.

Há todo um ritual de preparação para o mergulho: elas vestem uma roupa de borracha e, antes de colocar a máscara, enrolam um lenço branco na cabeça que significa que estão protegidas pelos deuses do xintoísmo. Imagens das horas vagas, de lazer, são alternadas igualmente com as imagens submarinas, todas estonteantes.

Não são mais muitas as japonesas que se dispõem a manter essa tradição (até porque o serviço não é tão bem pago como antes), o que deixa esse registro ainda mais marcante. E a câmera de Varejão se posiciona de modo a mostrar uma sensibilidade que nos transmite paixão pelas mulheres retratadas. É como se a diretora estivesse mesmo hipnotizada pela sabedoria, coragem, força e delicadeza delas. É dessa inspiração que precisamos.

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“Ama-San”
[Portugal/Japão, 2016]
Direção: Cláudia Varejão
Gênero: Documentário
Duração: 112 minutos


Letícia Mendes é jornalista e mestranda em estudos sobre as mulheres.

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